Blog do Cadu Doné

Pasolini: o futebol enquanto arte e produto

  • por em 18 de agosto de 2022

Mamma Roma, de 1962: uma das obras-primas de Pasolini, um dos seus filmes mais celebrados (site da Fundação Clóvis Salgado)

Graças à turma competente do Cine Humberto Mauro – esforços louváveis do ótimo Bruno Hilário, bate-papo enriquecedor com Luiz Paixão, entre outras coisas –, BH teve o privilégio de receber, na segunda-feira da semana passada, dia 8, a estreia nacional do filme O Jovem Corsário, que revisita vida e obra do gênio Pasolini, com enfoque no período em que o autor viveu em Bologna, local onde nasceu – a exibição da fita inédita foi parte de uma mostra repleta de outras atrações. No lindo trabalho de Emilio Marrese, o inquebrantável elo do biografado com o futebol desnuda-se grandiloquente.

Já na infância da mente por trás de Teorema, o ardor da torcida pelo clube da sua cidade desabrocha escancarado: paredes do seu quarto pintadas em vermelho e azul-marinho, cores que fazem do fardamento da agremiação adorada pelo nosso personagem de hoje uma das mais bonitas da Bota. O vínculo com o Calcio, porém, não para por aí…

Noves fora o gosto por um time – que flertara com o fanatismo em alguns momentos –, Pasolini se relacionava com a modalidade mais popular do mundo também por meio da fruição desinteressada – algo, digamos, num modelo schopenhaueriano. As danças das pernas e dos corpos o fascinavam. E se observar os craques profissionais o regozijava, as memórias dos seus instantes em campo chegavam com a doçura das edificantes nostalgias – e como me identifico com isso; quanta saudade das peladas entre amigos; nunca fui tão feliz…

Além de todos estes aspectos, de esmiuçar a ligação do vanguardista criador com o esporte bretão, o ponto mais interessante atrelado ao futebol surge numa profecia que se materializou qual um acerto retumbante de Pasolini: a indústria cultural, o capitalismo selvagem tornariam o Beautiful Game, acima de tudo, um produto a ser consumido pelas massas, ocupando o tempo que o homem médio outrora dedicava à literatura e a outras atividades artísticas, intelectuais. Isto seria bom ou ruim? Pasolini dizia não saber. Se ele reconhecera a dúvida, eu, então…

Fato é que a pasteurização, a gentrificação, a elitização, a inegável perda de determinado romantismo, a insossa maneira como esta mercadoria hoje é frequentemente embalada são mazelas, prejuízos que parecem irreparáveis. Por outro lado, o acesso relativamente fácil a informações e espetáculos antes inconcebível proporciona a possibilidade de nos deleitarmos com o esplendor da Premier League, da Champions… E, por que não, com o charme do Bologna; o Bologna de Pasolini…

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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